sexta-feira, 5 de novembro de 2010

De que falamos quando falamos de santidade

Transcrevo aqui um texto do Pe. Tolentino de Mendonça que encontrei hoje no sitio do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (http://www.snpcultura.org/) e que me parece estimulante neste caminho da santidade que todos nós somos chamados a empreender.

"Sophia de Mello Breyner naquele conto tão conhecido, “O retrato de Mónica”, explica que a poesia é-nos dada uma vez e quando dizemos que não ela afasta-se. O amor é-nos dado algumas vezes, e também se o recusamos ele distancia-se de nós. Mas a santidade é-nos dada todos os dias como possibilidade. E se a recusamos teremos de a recusar todos os dias da nossa vida, porque quotidianamente a santidade se avizinha de nós.

Contudo, fizemos da santidade uma coisa tão extraordinária, abstrata e inalcançável, que quase não ousamos falar dela. Muito menos no espaço público. De certa forma, habituamo-nos a olhar para a experiência cristã como que acontecendo a duas velocidades: o caminho heroico dos santos e a frágil estrada que é aquela de todos os outros, e por maior razão a nossa. Ora esta conceção de santidade não pode estar mais longe daquilo que a tradição cristã propõe, pela qual pugnou e pugna. O Concílio Vaticano II, por exemplo, deixa bem claro: a santidade é vocação mais inclusiva e comum. Mas é preciso entender de que falamos quando falamos de santidade.

Bastar-nos-ia certamente ler as bem-aventuranças. Jesus não diz que os bens aventurados são os outros, os que não estão ali. Jesus olha para a multidão e começa a dizer: “bem-aventurados vós os pobres”, “bem-aventurados vós os aflitos”, “bem-aventurados vós os misericordiosos”. O quê que isto quer dizer? Que são, no fundo, as nossas pobrezas, fragilidades, aflições, mansidões, procuras de justiça, sedes de verdade, a nossas buscas por um coração puro, que dão a substância da bem-aventurança, a matéria da santidade.

É naquilo que somos e fazemos, no mapa vulgaríssimo de quanto buscamos, na humilde e mesmo monótona geografia que nos situa, na pequena história que dia-a-dia protagonizamos que podemos ligar a terra e o céu. Falar de santidade em chave cristã passou a ser isso: acreditar que a humanidade do homem se tornou morada do divino de Deus".

1 comentário:

  1. "... são, no fundo, as nossas pobrezas, fragilidades, aflições, mansidões, procuras de justiça, sedes de verdade, a nossas buscas por um coração puro, que dão a substância da bem-aventurança, a matéria da santidade."

    Só assim tem e, faz sentido!

    ... santidade...: acreditar que a humanidade do homem se tornou morada do divino de Deus."

    Que bonito!

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